Estávamos nós duas ali, sentadas num dos bancos do trem. Como em quase todas as manhãs, as pessoas todas estavam indo para o trabalho e os vagões estavam lotados. Eu, porém, ignorava a presença de qualquer uma daquelas pessoas que se empilhavam ao nosso redor... Tinha olhos, ouvidos e pensamentos somente para ela. Qualquer um que nos observasse mais atentamente notava o clima triste que nos rondava. De mãos dadas, ela com a cabeça apoiada no meu ombro, os olhares perdidos procurando um consolo, uma distração, sem conseguir encontrar.
Depois de três anos e meio dividindo a mesma cama, fazendo a maioria das refeições juntas, compartilhando muito além de tempo e espaço, ela iria viajar. Ia para outro continente, a trabalho, sem data prevista para voltar; somente sabíamos que por mais de um ano com certeza ela ficaria por lá. E só de pensar no vazio que ficaria na minha vida com a saída (ainda que provisória) dela me lançava em profunda tristeza... Ela chegou a cogitar não aceitar a proposta de emprego, ao que fui contra, pois por justamente a amar mais do que tudo, não poderia aceitar que ela desperdiçasse essa oportunidade ímpar por minha causa. E eu ir junto com ela era impossível, pelo menos naquele momento, pois também estava dando importantes passos na minha carreira, depois de anos sem avanços significativos.
Perdida em meio as minhas idéias, sou tirada de meu transe ao sentir uma pequena gota escorrendo pela pele de meu braço. Olhei nos olhos dela, que estavam vermelhos e lutavam para segurar as lágrimas, em vão. Não resistindo à dor da situação, envolvi a dona do meu coração em meus braços, chorando também a dor da saudade antes mesmo de senti-la de fato.
O operador do trem anuncia então a próxima estação, que já era a que desceríamos. Depois de várias estações, finalmente percebi as pessoas a nossa volta. Olhando com a costumeira curiosidade para nós, o casal apaixonado, alguns se emocionavam junto, outros ignoravam a situação, enquanto alguns reprovavam nossa manifestação singela de amor em local público. As portas do trem se abriram e anunciaram a estação dela, mas ignorando o curto tempo que ela se mantém aberta para os passageiros descerem e ignorando também as pessoas ao redor, puxei-a para perto de mim e trocamos um longo beijo de amor. Longo como seriam os próximos meses, longe daquele toque tão familiar, daqueles beijos que me alimentavam, daquela que detinha a essência do meu viver.